Pesquisar neste blogue

sábado, 16 de junho de 2012


A noite com um "ser da noite"

Madrugada de sábado ali pelas quebradas do Andaraí, após um noite de samba no Salgueiro, simpática escola vermelha, tijucana e branca, fui comer algo pra não chegar em casa com tradicional primeira fome do dia.

Barraquinhas ainda com luzes acesas, vendendo comidas e cervejas. Comigo, três franceses que haviam sido apresentados àquela realidade cultural carioca com tambores e molejo instantes antes. Aproximamo-nos de um desses pontos, sentamo-nos em cadeiras de metal, daquelas mesmo de cerveja, e um sujeito se aproximou. Carregava dois celulares e uma capacidade incomum de falar. Como falava! Parecia um rapper, mal parava para respirar.

Ficou encantado com a francesinha, Alizée, menina de belo rosto, belo sorriso que, óbvio, chama atenção dos ogros da noite. Alizée sentava-se à minha esquerda, os demais franco-gente-boas, Maryan e Vincent (quase xará), depois dela. A figura da noite ficou do meu lado direito mandando bala nas palavras.

“São russos, são russos?”, perguntou após eu ter dito que eram francesas. Olhou para Maryan e falou “aquele é sinistro, tem cara que mata muito”, dizia com aqueles olhos que saltavam quase na calçada de tão arregalados.  Pobre Maryan,  que acabo chamando de Mariano, moleque com tremendo ar de “sou um cara tranquilo”, mas dono de uma barba que tomava quase todo o rosto e que talvez tenha feito o “da noite” pensar na nacionalidade russa.

Cada que pessoa que passava na rua durante aquela madrugada saudava a figura que, todo espevitado, levantava ia lá, falava, tirava uma onda e voltava. Ah, carregando, além dos dois celulares, duas latas de cerveja que bebia simultaneamente.

O cenário ainda melhorou. O “da noite” começou a se gabar. “Matei já uma galera. Mando no morro do Salgueiro e na boca ali”, apontando o suposto ponto de comércio de substâncias entorpecentes ilícitas. “Aqui todo mundo me conhece”, alardeava com toda razão porque já tínhamos notado.

Eu começava a notar um mal-estar nos meus amigos franceses, mesmo sem entender tudo o que nosso amigo da noite falava, sentiam que ele se referia a coisas, digamos, não muito familiares. Confesso, eu seguia curioso para ver até que ponto aquilo ia chegar.

O tom até subiu, ele chegou a comentar que poderia matar um ou outro ali. Mas sempre falava comigo, em tom mais baixo, que tinha medo do Mariano. Vá entender.

Eu começava a desenrolar o caô para despistar o ser da noite para voltar pra casa quando saiu de dentro de um vila uma moça, de chinelos, minissaia clara, blusinha, cara de “vou bater em você, otário”. Olhou para o nosso grupo e, sem dó, destravou a língua e metralhou: “Não te falei pra voltar para casa cedo hoje? Você sabe que horas são? Você tá pensando que é o quê? (...)”. E nosso herói/antiherói correu para dar moral pra patroa. Só que toda aquela empáfia caiu no chão e ficou ali do lado da cadeira onde ele estava sentado. A moça lascou-lhe aquela sova moral, sumiu no escuro e com ele levou o ser da noite num fim melancólico para o personagem.

Eu adoro os seres da noite e suas histórias. J