A noite com um "ser da noite"
Madrugada de sábado ali pelas quebradas do Andaraí, após um
noite de samba no Salgueiro, simpática escola vermelha, tijucana e branca, fui comer algo pra não chegar em casa com tradicional primeira fome do dia.
Barraquinhas ainda com luzes acesas, vendendo comidas e
cervejas. Comigo, três franceses que haviam sido apresentados àquela realidade
cultural carioca com tambores e molejo instantes antes. Aproximamo-nos de um desses pontos, sentamo-nos
em cadeiras de metal, daquelas mesmo de cerveja, e um sujeito se aproximou.
Carregava dois celulares e uma capacidade incomum de falar. Como falava! Parecia
um rapper, mal parava para respirar.
Ficou encantado com a francesinha, Alizée, menina de belo
rosto, belo sorriso que, óbvio, chama atenção dos ogros da noite. Alizée
sentava-se à minha esquerda, os demais franco-gente-boas, Maryan e Vincent
(quase xará), depois dela. A figura da noite ficou do meu lado direito mandando
bala nas palavras.
“São russos, são russos?”, perguntou após eu ter dito que
eram francesas. Olhou para Maryan e falou “aquele é sinistro, tem cara que mata
muito”, dizia com aqueles olhos que saltavam quase na calçada de tão
arregalados. Pobre Maryan, que acabo chamando de Mariano, moleque com
tremendo ar de “sou um cara tranquilo”, mas dono de uma barba que tomava quase
todo o rosto e que talvez tenha feito o “da noite” pensar na nacionalidade
russa.
Cada que pessoa que passava na rua durante aquela madrugada
saudava a figura que, todo espevitado, levantava ia lá, falava, tirava uma onda
e voltava. Ah, carregando, além dos dois celulares, duas latas de cerveja que
bebia simultaneamente.
O cenário ainda melhorou. O “da noite” começou a se gabar. “Matei
já uma galera. Mando no morro do Salgueiro e na boca ali”, apontando o suposto
ponto de comércio de substâncias entorpecentes ilícitas. “Aqui todo mundo me
conhece”, alardeava com toda razão porque já tínhamos notado.
Eu começava a notar um mal-estar nos meus amigos franceses,
mesmo sem entender tudo o que nosso amigo da noite falava, sentiam que ele se
referia a coisas, digamos, não muito familiares. Confesso, eu seguia curioso para
ver até que ponto aquilo ia chegar.
O tom até subiu, ele chegou a comentar que poderia matar um
ou outro ali. Mas sempre falava comigo, em tom mais baixo, que tinha medo do
Mariano. Vá entender.
Eu começava a desenrolar o caô para despistar o ser da noite
para voltar pra casa quando saiu de dentro de um vila uma moça, de chinelos,
minissaia clara, blusinha, cara de “vou bater em você, otário”. Olhou para o
nosso grupo e, sem dó, destravou a língua e metralhou: “Não te falei pra voltar
para casa cedo hoje? Você sabe que horas são? Você tá pensando que é o quê?
(...)”. E nosso herói/antiherói correu para dar moral pra patroa. Só que toda
aquela empáfia caiu no chão e ficou ali do lado da cadeira onde ele estava
sentado. A moça lascou-lhe aquela sova moral, sumiu no escuro e com ele levou o
ser da noite num fim melancólico para o personagem.
Eu adoro os seres da noite e suas histórias. J